7.5.05

Ensaio

A porta entreaberta deixava entrar a pouca luz da sala ao lado, ainda assim, ao frescor e zumbido do velho ventilador, debruçado no andar de baixo daquele beliche meio enferrujado, como que por extinto, enxergando somente as sombras dos movimentos de sua mão, empurrava suas palavras no esquecido caderno que, agora desperto, voltava a bocejar o que noites acalentaram do caminhar do sol em viver o seu dia.
Ele não sabia como dizer e perece que não tinha mesmo o que dizer, a não ser quanto as divagações se tal fato era bom ou não fazia diferença.
Enquanto questionava se o vão esforço de encontrar algo no alforje do pensamento simplesmente pelo vão esforço em traduzir a verdade que inflamava dentro de si, faria com que essa mesma verdade deixasse de ser. Sempre lhe disseram que é preciso acreditar no que se diz, crer no que se escreve e entender a ambos. Seria, pois, verdade, a capacidade de tão somente viver as mesmas que não conseguia explicar, após decepções de tentativas frustradas em transcrever naquelas páginas empoeiradas? Contudo, raramente o desejo é passivo, a vontade de fazê-lo o segurava ali, por longo tempo, com um lápis mal apontado na mão que escreveu alguns rascunhos sem sentido. Sentia-se como um pintor cujos olhos brilham em cores, mas lhe é impossível tecer um único risco na tela, como um músico sentindo a harmonia de acordes novos, mas que é incapaz de tocar uma única pauta. Era como um quebra-cabeça montado ainda que suas peças estivessem embaralhadas.
Será o pintar, o tocar, o escrever, que traz todo esse sentimento ao que se entende como sendo real? Alguém apagou a luz da sala ao lado. Para evitar que suas palavras se atropelassem nas linhas e entrelinhas, escolheu largar o caderno no chão, pôs sobre ele o lápis e deitou-se a dormir.

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