17.4.06

Antes de ovos e chocolate...

Saímos a caminho de Jerusalém. A alegria desta época do ano pairava de uma forma diferente, como que esperando, ansiosa, reflexiva e aconchegante. Meu filho perguntou – Papai, o que acontecerá ali? Há tantas coisas que eu ainda não entendi. - Enquanto caminhávamos, contei-lhes novamente sobre Abraão, Isaque e Jacó; relatei alguns feitos dos grandes reis e, por último, narrei a Grande História, de quando ainda nem éramos uma nação, e como escravos, o anjo da morte, na última praga, poupou os primogênitos de nossos pais pela marca do sangue de um cordeiro, praga que fez o poderoso Faraó permitir nosso êxodo, nossa liberdade. Depois de falar-lhes sobre Moisés, a travessia no mar e no deserto, eu disse às crianças – Cuidem do cordeirinho.

Ao chegarmos à cidade, ouvimos rumores estranhos sobre coisas estranhas e, de fato, o povo não cantava, as crianças não sorriam. Toda a atenção estava voltada para o pátio do Procurador, quando, mesmo de uma certa distância, ouvimos os gritos pedindo a sentença – Crucifica-o! Crucifica-o! Para a Cruz! A Cruz!

Tentamos escapar da confusão. Não queríamos fazer parte do que estava para acontecer. Somos pessoas de bem... Se ao menos tivéssemos conseguido chegar ao templo, ofereceríamos os sacrifícios e... Mas quem era aquele homem? Quase todo o colégio sacerdotal se ocupava de acusá-lo. Fiquei imaginando o que fez ele de tão ruim; deveria ter sido uma grande ofensa ao Deus de Israel.

Alguém disse – Lá está Jesus! - Eu não queria acreditar... Um homem tão machucado, o sangue que corria do seu corpo mutilado, a armação de espinhos cravada na fronte, e a cruz... tão pesada. Procurei em seus olhos o brilho fosco deste pecado que incitava a multidão, mas... Eles andavam à caminho do Monte Caveira. E no momento em que caiu... A cruz sobre seu corpo enquanto alguns aplaudiam e outros mostravam pena, piedade e até mesmo aflição. Naquele momento... Acho que eu estava perto demais, e nem me lembro porque cheguei tão perto. E foi naquele momento que, olhando para ele, senti agonia e uma dor profunda. Então o soldado romano gritou – Você! Carregue a cruz! - Eu pensei em resistir, mas ele tinha a espada na mão. Ajoelhei-me, tirei a cruz de sobre seu corpo, levantei-a e ... seu sangue nas minhas roupas... continuei a caminhada levando a arma que levaria aquele homem agonizante, arrastando-se ao meu lado, à morte.

Ao chegarmos ao Calvário, pregaram seus pés, suas mãos, e ergueram a cruz... Naquele momento, na cruz, ele falou – Pai, perdoa os meus irmãos – Eu nunca havia visto tanto amor nos olhos de quem sofre. Ele disse – Está feito – E morreu...

Pasmado por um momento, fiquei sem perceber quando meu filho me abraçou, com o desespero natural das crianças quando cometem algum erro e temem a correção. Chorando, disse-me o mais velho – Papai, nos perdoe, o cordeirinho escapou. - Meu filho perguntou – O que aconteceu aqui? Há tanta coisa que ainda não entendi. - Coloquei-o nos meus braços e, olhando para a cruz, disse à eles – Queridos, lá está o cordeiro, Jesus.

(Texto inspirado em uma canção, que não me lembro o nome, do cantor Júnior.)

13.4.06

Minhas novas primeiras vezes

Como dizem - Sempre tem uma primeira vez. Pensando nisso, acabo de imaginar-me sentado na beira da cama, nú, escondendo as mãos entre as pernas, retraído, tímido na noite de núpcias e até meio amedrontado, confessando: essa é a minha primeira vez. As cenas deste último fim de semana não foram assim, tão bizarras, mas foram dias de muitas primeiras vezes.

Foi a primeira vez que visitei o sul de nosso solo pátrio. A primeira vez que o dia não estava nublado e pude ver São Paulo de cima. A primeira vez que meu cartão bancário foi bloqueado, que deixei um recadinho para a comissária de bordo, que não carreguei bagagem em excesso. A primeira vez que, aqueles amigos que primeiro abracei no Rio, beijei em Joinville, e que de Joinville ganhei novos amigos. A primeira vez que tomei Capirinha de Vinho (vinho com açucar, gelo e limão), que comi melado, pão com doce de leite e maionese juntos, um tipo de torta de banana com um nome em alemão que não me lembro, e o famoso churrasco dos sulistas (que tem mesmo razão de ser famoso). Falei minhas primeiras palavras em alemão e foi a primeira vez que tentei desbloquear meu cartão. A primeira vez que vou a uma igreja Luterana. A primeira vez que fui da equipe azul e que, com a equipe azul, ganhamos três das quatro tarefas em uma gincana que todos ganham. A primeira vez que assisti "Jogos Mortais II", que comi pastel de chocolate com morango, que tomei café em uma mesa onde cada um tem sua própria faca pra cortar o pão. A primeira vez que ri de piadas do Chuck Norris, que vi drogada comparar a lua com tapioca (em peça teatral), que não tive crise de claustrofobia ao dormir em barraca nem crise alérgica pela mudança de clima.

Algumas coisas, eu me lembro, já aconteceram antes, mas são momentos tão especiais, na companhia de amigos tão especiais, que é como se fosse a primeira vez (isso pareceu até nome de filme ...rs): Corremos na grama até cair, fizemos guerra de balão de água, demos risadas de doer a barriga, sonhamos sobre nossos sonhos, acordamos com sorrisos de "Bom Dia!", choramos, cantamos, dançamos, dormimos ao relento, olhando o céu, torcendo pra ver estrela cadente, procurando desenho em nuvens, contando quantos braços seriam necessários para alcançar essa ou aquela estrela, vendo a noite passar, falando bobeira, compartilhando amor, e para a lista das primeiras vezes, conheci uma nova constelação e vi o Cruzeiro do Sul, desde o sul.

Pela primeira vez, pedaços de mim ficaram em Joinville, nos amigos que lá estão e nos novos amigos de lá. Agora tenho uma desculpa pra voltar, afinal, preciso tentar buscar o que ficou pra trás, mas é claro que isso é só uma desculpa, na verdade, não pretendo trazer nada de volta.


Saudades...

4.4.06

Devaneios da manhã.

Aquela gaivota sobrevoa o breve caos do porto, enquando a madrugada acorda o dia. Ela avista, lá em baixo, na dança da maré, alguma coisa brilhando, refletindo os primeiros raios tímidos do sol, na luta por alcançar a margem. A ave imagina, por efeito daquele raro brilho e também por não estar completamente desperta, que fosse algum peixe exótico que lhe conferiria poderes para respirar em baixo d'água. Ela dá um razante já deliciando o banquete com todos os novos sabores que encontraria além do solo liquido, depois de comer as barbatanas encantadas. Por um reflexo, no exato momento antes de dar uma bicanhada, o que iria resultar em uma baita dor de bico, a alada que sonhava nadar percebe que não trata-se de um peixe, muito menos um peixe mágico. É um objeto de um verde transparente (Nós chamamos de vidro, mas é claro que as gaivotas não sabem disso). Há algo lá dentro, como um rolo de uma folha seca e quadrada, amarrado no meio com um barbante. O objeto está tapado com uma rolha. Grafado no fundo, tem um círculo, que não é exatamente um círculo, como se desenhado por uma criança da pré-escola, e há inscrições ao redor, que aparenta ser alguma caligrafia desconhecida. A gaivota volta frustrada, para sua caça matinal, enquando a garrafa quase pousa na areia...